segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Um Trilho A Ocidente






John Keats

Sonhei que caminhava sobre vidro no nosso espaço xamânico. Chegado a uma árvore alta, escrevi com um caco o teu nome no cascalho. Passei a mão pelo cabelo e murmurei-te: os teus lábios eram suaves e o Sol pingava ouro, o anoitecer lânguido com uma centena de pirilampos. A vela intermitente iluminava alguns títulos de livros e o cheiro do musgo chamou a chuva, a chuva chamou as flores, tudo era urze.


F. Scott Fitzegarld

Há uma relação directa entre a morte e a luz maior: no cemitério o fogo queima até a pedra e as estátuas deterioram-se, ou, se nos apaixonamos, a mordedura das borboletas degrada a lucidez, os olhos negros ganham um tom azulado e a pele empalidece. Quando se beijam, os amantes abrem os lábios, a vida escapa-se e a neve cai vermelha de alturas insondáveis, às quatro da manhã ainda estaremos a dançar de pijama e as estrelas a gritar com vertigem.

O dia a seguir nascerá bonito, e como todos os dias nascidos do bem convocará a tempestade, a manifestação das potências, a chuva de pó nas páginas amarelecidas da poesia, o cigarro sobre o álcool, as pisaduras nos braços que se estendem para a escuridão dos quartos sem saída, os Outonos nebulosos ou o gelo que faz brilhar as estrelas.


Franz Kafka

A esperança é chama baça. Visto um saco de plástico sobre a cabeça, e vou pelas ruas da nostalgia, a sorver a chuva com a língua, com os ossos rachados, com os fantasmas que aprisiono nos pulmões, as veias dos pulsos, o cheiro dos livros. E sou um soldado, de saco de plástico como elmo, a esperança a força gravítica que arrasta a luz a um buraco negro. Sento-me, a ouvir crianças, contam estórias dos mortos, o futuro é um calabouço.


H. P. Lovecraft

A certa altura da noite a morte estremece e morre. Por um momento não respira, antes de retomar o seu passo lento, e nesse momento o céu é de uma luminusidade estranha. Nada se explica, e essa luminusidade explica que assim seja. Camile Saint-Saens numa casa vazia, a olhar o céu numa varanda que se pisa sem testemunha, o silêncio a sobrepor-se ao gira-discos mesmo assim. Daqui posso ver o Oceano, a escuridão no seu seio onde tremem as almas dos meninos.


Jack Kerouac

É impossível estar-se vivo sem paixão, mesmo o suicida, no último segundo ama ainda a vida. Da mesma forma, é impossível ser-se terra sem extensão ao infinito, ser-se gente sem tontura, haver universo sem enigma e descoberta. É impossível o ideal que seja possível, possível é o vento que alastra nos cabelos e a neblina no crânio, a incerteza sobre os ombros onde existem as asas, passar-se pelas brasas ao Sol, guiar de noite com risadas e café, gritar contra o filho da puta do deserto um grito de vida, o esquecimento.


Edgar Allan Poe

O eu começa na intimidade de um segredo. Dizemo-lo e o crepúsculo apressa-se mais como se impelido por uma chuva súbita, o sangue seca e o licor derrama-se. E nenhuma flor na campa é um segredo até que murche. Olha, eu mordo um limão, o olhar enche-se de vidro e roço nos teus os meus lábios, a morte a pesar-me o coração, a perfeição no teu fim. A chama só é chama se auto-inflngida, a sabedoria só é nos olhos das aves negras quando calam o seu canto, e Deus quando há pó: menos nas estrelas que desmancham a pedra tumular, menos nos corações que sentem o calor das mãos fora do corpo, menos no espaço oco que há dentro dos ossos, ou no nevoeiro que é o horizonte.

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